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11/03/2022 às 15h35min - Atualizada em 11/03/2022 às 15h35min

“Quase vendi meu fardão da Academia”

Por Odair Camillo - Jornalista
FOTO: Lyége Maria
Já não bastassem as atribulações cotidianas de um chefe de família empenhado em superar a inflação galopante que vai solapando o orçamento familiar, agora dei de acordar de madrugada e não mais dormir. É um tal de rolar de lá para cá na cama, perturbar a mulher que ronrona num sono gostoso indiferente ao meu problema, e só conseguindo pegar no sono na hora em que o maldito despertador começa a estrilar nos meus ouvidos.
 
No entanto, há males que vêm para o bem. E numa dessas “despertadas noturnas” descobri que posso ficar rico ainda este ano. Meu negócio será escrever essas bobagens em forma de crônica sobre o cotidiano e que muita gente diz gostar, publicadas no Brand-News, e depois coletá-las em livro, com capa em policromia e bem vistosa. Vários exemplos nos dão a história, pois o jornalista acaba se tornando cronista, o cronista em escritor, e este, se tiver dinheiro e um bom padrinho, poderá editar seus trabalhos e se tornar conhecido e admirado.
Mas, pelo amor de Deus, não me julguem com pretensões de ser comparado a um Fernando Sabino ou Carlos Drummond de Andrade, nem mesmo com o nosso conterrâneo Jurandir Ferreira. Reconheço minhas limitações literárias, pobreza vocabular, ausência de figuras estilísticas e mesmo as incorreções gramaticais. Mas estes 15 anos de jornalismo foram o bastante para acumular alguma experiência e quase uma centena de crônicas.
 
O problema será encontrar um benemérito nesta crise editorial. Mas tenho certeza que encontrarei. Entre os amigos mais íntimos está o ministro Olavo Setúbal, que é o presidente do Banco Itaú, ou ainda os demais mandatários que presidem as outras instituições financeiras que atuam na cidade.
Certamente que para eles, um pedido como este pouco significará em termos de investimento. Tenho plena convicção que meu livro se tornará um best seller nacional. Só no seu lançamento, numa tarde de autógrafos com um concorrido coquetel na própria agência bancária, o investidor terá recuperado o capital aplicado. É só colocar uma bonita funcionária - o que não falta - ao meu lado, de preferência vestindo uma minissaia e promovendo o financiamento do livro em até 24 prestações mensais, sem entrada, e certamente a primeira edição será esgotada. Por outro lado, pode-se até condicionar os empréstimos bancários ou a concessão de um cheque especial, se o cliente adquirir um exemplar. Isso não será propriamente uma forma de coação, mas uma maneira de incutir um pouco de cultura no povo, se é que o livro traga alguma...
 
Agora, se considerarmos que qualquer desses bancos têm aproximadamente mil agências espalhadas pelo Brasil, posso ficar até milionário. Bem, na hipótese de não conseguir meu intento com os bancos nacionais, vou dar essa chance ao Citibank, Bank of Boston, ou qualquer outro que o FMI indicar. Talvez até possa ser premiado com uma edição de minha obra-prima impressa em outros idiomas. E por que não? Afinal, os brasileiros também somos obrigados a ler tanta bobagem editada por este mundo afora...
 
Porém, se todas essas tentativas para publicar o livro derem em nada - o que sinceramente não acredito - ainda restarão duas opções: vender o fardão e a minha Cadeira 3 da Academia Poços-Caldense de Letras, ou declarar, pelo menos por enquanto, todas as minhas crônicas em concordata.
 
Do livro “Crônicas em Concordata” - Agosto de 1984

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