Hoje comprei um litro de azeite. Depois de mais um ano sem poder consumir o tal do óleo dourado, tão bom para os triglicérides, tão benéfico para o colesterol. Comprei um litro de azeite. Comprei. Depois de três meses de planejamento, de estudos pra driblar o orçamento doméstico numa matemática que faria inveja à um PdD de Harvard, eu comprei um litro de azeite. Isso mesmo. Em meio ao quilo do feijão, ao dois quilos de arroz, sempre integral, pois dizem que o outro faz mal, em meio às bananas compradas em dia de promoção no hortifruti e aos produtos de limpeza falsificados na loja de R$ 1,99, onde aliás não tem mais nada que custe R$ 1,99. Mas comprei. Comprei um litro de azeite. Entre a batata doce, que em dia de promoção custa bem barato, mas tem que ter paciência pra tirar os carrunchos, entre a cabotiá que deixa o molho do frango grosso e adocicado, entre as cinquenta gramas de páprica picante, o melaço de cana que é o único doce que entra nessa casa, pois dizem que o tal do açúcar refinado faz mal. Entre o açafrão, a Castanha do Pará e um punhado de nozes, uma de cada por dia por favor, que é o recomendado. Entre a maçã pra ser consumida diariamente só porque me faz lembrar da frase em inglês, “An apple a day, takes the doctor away”, pois é sempre melhor não precisar ir ao médico. Entre a atemoia que custa mais barato no carro de mão do moço da rua Assis. E que é mais doce também. Entre as beterrabas, que se cortadas ainda cruas em fatias finas e deixadas num potinho com um pouco de água e melaço de cana é um santo remédio pra anemia. Entre as cenouras que se descascadas e cortadas em palitinhos podem ser uma ótima opção de lanche no meio da manhã junto com a maçã. Entre o papel higiênico que não machuca as intimidades, mas que também não é o mais caro, pois sempre achei um absurdo pagar muito por uma coisa com destino tão pouco nobre. Se bem que talvez seu maior destino seja exatamente o de manter a nobreza humana, mas enfim. Entre o queijo minas frescal, que hoje, o mais barato, é quase uma ricota, mas que tem um pouquinho mais de sabor, e que pelo preço sempre fico desconfiada de aquilo se tratar apenas de soro de leite prensado. O que não é bom, assim dizem os especialistas. Entre a tapioca granulada que junto com o leite de coco de garrafinha e o ralado que vem no pacotinho pequeno dá uma sobremesa muito saborosa e saudável. Ou quase, já que dizem que o pico glicêmico da tapioca é muito alto. Entre o cacau em pó, que é bem barato e que se misturado - lá vem ele de novo - com o melaço de cana dá uma espécie de mousse de chocolate orgânico que fica bem mais em conta que as barrinhas vendidas nas lojas com anúncio de 80% cacau. Se bem que não tenho certeza se o cacau em pó vendido nas lojas naturais é realmente saudável ou apenas gordura transformada em pó. Existe gordura em pó? Deve existir. E na dúvida fico com a minha mistura porque é mais barata. Entre a manteiga, que tem ser manteiga mesmo e usada com parcimônia, pelo mesmo motivo do começo do texto, o tal dos triglicérides. Entre a farinha de aveia pra fazer mingau (sem leite, por favor), que vai receber a banana, as castanhas (uma por dia), a chia, a semente de girassol e olha ele de novo, o melaço de cana. Entre o frango, sempre a sobrecoxa, claro, que é a parte mais macia, mais saborosa e que por incrível que pareça ainda não é mais cara, e o moço do açougue, se você sorrir pra ele, ainda tira a pele. Eu detesto tirar pele de frango. Minha faca não é boa. E faca custa caro. Se comprar faca nova a conta não fecha, o orçamento desequilibra e você sai do supermercado frustado, sem o azeite e com cara de poucos amigos deixando a moça do caixa um pouco mais triste. Sempre achei as moças do caixa um pouco tristes... Entre as cebolas, os tomates, os limões pra tomar com água morna pela manhã. Entre o alho, que é melhor quando comprado de muito, que é pra não faltar na hora de refogar o frango. Entre o quilo de sal, o branco mesmo, essa coisa de sal rosa e himalaiano é tolice, tudo pintado, não tem diferença nenhuma do nosso, que só precisa ser iodado. Mas se bem que iodo faz mal. Aliás se você notar que consumiu mais de um quilo de sal por ano é melhor falar com seu médico. Entre as orquídeas, compradas em tempos de vacas gordas, ali no supermercado mesmo e que duram várias primaveras, pois as bichinhas são muito boas e generosas em colorir o lar. Entre o mamão, que aliás está pela hora da morte e que só de pirraça é a fruta preferida do meu cachorro. Entre a caixa de figo, madurinhos, por R$ 4,99 e que te dá uma alegria quando você coloca num prato de sobremesa colorido comprado numa loja de coisa antiga e que te faz lembrar da época em que você era chique e que comia figos sem cerimônia alguma, sempre acompanhado por queijo de boa qualidade e que não levantava suspeita sobre soro de leite. Aliás figo dá uma geleia maravilhosa, assim com umas gotinhas de limão e açúcar demerara, alguns minutinhos de fervura na panela de cerâmica, que é a mais saudável, segundo os especialistas. Mas como a minha já quebrou - é, elas quebram fácil -, você pode fazer na de ferro mesmo. O importante é não ter essa coisa de teflon em casa, dizem que solta resíduos, vai tudo pro estômago, pro cérebro, laminam as sinapses, causam Alzheimer. Cruz credo, acho que vou jogar minha frigideira fora. Entre a caixinha de leite condensado que fica um mês no armário esperando eu me livrar da culpa e fazer o tal do pudim, que aliás eu amo e como tudo em dois dias. Entre o creme dental mais barato, que eu desconfio que tira o esmalte natural dos dentes e tem excesso de fluor, que por sinal dizem que calcifica a pineal o que nos impede a evolução espiritual. E eu ainda quero evoluir espiritualmente. Entre as torradas de fermentação natural que acompanham a sopa no final do dia e esquentam a noite fria. Entre o hidratante corporal, que deve ser usado dia sim, dia não, porque economiza e dá menos preguiça. Entre o óleo de amêndoas puro, que faz milagre, que custa pouquinho, que deve ser passado também no colo e no pescoço - porque não tem coisa pior que um pescoço pelancudo - e que em dias de frio dá pra ser usado no box do banheiro mesmo e assim evitar o sofrimento de ficar passando tal do hidratante corporal. Entre o sorvete italiano tomado na praça, que custa R$ 20,00 e que pelo preço desconfio que tem sotaque mesmo é de Campestrinho. Entre a garrafinha de água de R$ 5,99, o pão de queijo gourmetizado que você algumas vezes é obrigada a pagar se quiser encontrar a amiga e sentar num lugar decente nessa cidade. Entre as tâmaras em promoção, que são muito açucaradas, mas ótimas em antioxidantes. Entre as berinjelas, as mandioquinhas - que por sinal estão caríssimas - entre as alfaces, as rúculas, em meio às contas, cinco vezes quatro, oito divido por cinco, noves fora sete, eu finalmente comprei um litro de azeite. Comprei. E saí do supermercado triunfante. Coloquei ele na sacola de cima, e fui durante todo percurso de volta pra casa olhando para a garrafa com cuidado, com muito medo de que caísse.
Comprei. Comprei um litro de azeite. Cheguei em casa, arrumei todos os outros itens do supermercado e deixei a garrafa de azeite por último, em cima da mesa, quase como um arranjo central. O líquido verde dourado reluzindo na minha cozinha. Me lembrei dos tempos de Lisboa, dos azeites comprados aos galões, dos tempos de Itália quando ele era comido como antepasto, assim, formando uma poça no prato, com uma pitada de flor de sal, esse sim de excelente qualidade, quando ele era usado pra encharcar o pão, pra comer displicentemente enquanto se espera a entrada e o prato principal. Lembrei também dos tempos da França, quando ele era servido trufado, em sobremesas, em mousses, por cima do chèvre derretido no forno servido com nozes. Lembrei disso tudo. E lembrei também que a vida passa. Os preços aumentam, baixam. Que os azeites vão e vêm da tua vida. Mas que você continua. Pra rir, pra chorar e pra fazer conta - e literatura - disso tudo.
Duas semanas se passaram e o azeite ainda está lá. Ainda não tive coragem de abrir a garrafa. Pensando bem… Acho que vou precisar vender o sofá da sala.
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