No parque
Beatriz Aquino - Atriz e escritora
10/01/2025 15h01 - Atualizado há 3 semanas
Figura meramente ilustrativa - Reprodução Google
A cabeça lateja, os olhos ardem, três da tarde e essa pontada na vista, essa pergunta na boca. Esse jeito de ser ofuscado.
“Para de ler no escuro que estraga a vista, menina!”, diz a mãe.
“No claro também, mãe. No claro também…”
Aliás, quem inventou o claro e o escuro? E monstro atrás da porta?
“Tenho medo, mãe.” “Pronto. Já não tenho mais. Agora sou grande.”
Quatro da tarde. A vista melhora. Olhar pro céu ajuda. Tenho frio nos braços. Só nos braços. Porque eles são muito finos. Não sei como alcançaram tanta coisa.
A menina de ponta de pé na biblioteca que tenta alcançar o livro, a mulher se esticando pra limpar o pó da estante, a puta que sobe a ladeira de tamancos. Tudo é mulher em busca de alguma coisa. Eu não devia falar essas coisas. Mas que se busca, se busca.
“E eu busco o quê, mãe? Que horas a senhora vem pra me dar banho? Ah, hoje a senhora não vem.”
“As mocinhas não devem andar sujas. As mocinhas não devem deixar sentir o seu cheiro pelos homens da rua.” A senhora disse.
“De onde vem o cheiro das moças, mãe?”
A mãe não responde. A mãe saiu pra pegar o bonde, pra pegar o saldo, pra limpar a poeira da estante de outra casa, a mãe saiu pra pegar a vida, pra pegar o homem. A mãe está morta. O parque não é um parque. É um jardim grande com gente dormindo do lado de dentro da terra. Aqui não tem flor, aqui não tem cheiro. A mãe está morta e agora tenho leite nos peitos. Vou ser mãe de alguém e não vou responder suas perguntas. Vou dizer que o mundo é cruel, vou dançar descalça, vou tomar um porre, vou ficar nua na praça, vou beijar um desconhecido, vou pedir pra ele me dizer de onde vem o meu cheiro. A mãe está morta. Agora sou grande. Vou parir de cócoras, mancar pela rua, rezar aves marias, chorar na janela, amaldiçoar o homem.
Cinco da tarde. A mãe está morta. Eu matei a mãe. A luz se apaga. O olho lateja. O espelho se quebra. A mãe sou eu.
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