Polaroides apocalípticas

Beatriz Aquino - Atriz e escritora
28/02/2025 13h52 - Atualizado há 1 mês
Polaroides apocalípticas
Figura meramente ilustrativa - Reprodução Google

 

Olha, tudo é tão por um fio.
Aves de aço caem do céu e explodem em plena cidade.
As chuvas vomitam pedras, os rios deformam as metrópoles.
Ou melhor, tomam de novo suas antigas formas, exigindo a naturalidade de seus cursos.
E se de um lado as calotas polares derretem, do outro, o fogo lambe as planícies, incinera casas, avermelha paisagens, dizima florestas e histórias.
E enquanto isso, no mesmo hemisfério, ondas gigantes engolem as costas desmanchando com assombrosa facilidade a velha e cinza trincheira dos homens.
E por falar em homens, um deles, talvez o pior de todos em sua contemporaneidade, continua a cuspir fogo e sangue edificando a passos largos aquilo que todos conhecem por guerra.
E seus seguidores, sempre eles, continuam exercendo a fina arte da propagação, mimicando sem nenhum compromisso humano seu discurso de ódio e ignorância, levantando muros e arames farpados por onde passam.

É guerra. Sem dúvida. E diferente das outras, o alistamento dessa vez é compulsório. Homens, mulheres, jovens, crianças. Todos recrutados às pressas para engrossar a infantaria dos tolos. Não importa o lado. Se vermelho ou verde e amarelo. Estamos todos sofrendo da síndrome do entricheiramento. Cada um com seu fuzil, com sua granada, seu ingênuo ideal ou sua mais promíscua convicção.
De nada escaparemos. Nem da ira dos loucos, nem da fúria do limpo, nem da bala do religioso, nem da tirania do justo. A arena está de novo montada. E como sempre existem apenas três lugares a ocupar; a tribuna dos que comandam, a ignorância dos que aplaudem, ou a tenra e suculenta carne dos rebeldes. E no final das contas terminaremos todos dentro da boca dos leões. Esses, sim, os únicos líderes. Pois a fome do mundo é grande. E antiga.

Um dia um certo apóstolo escreveu sobre apocalipses. Em suas visões, pássaros de fogo rasgavam os céus, homens com a marca da besta comandavam as turbas, anjos gigantes pisavam os oceanos espalhando suas águas sobre as planícies.
Hoje, vê-se que nada havia de original em suas previsões. Os homens continuam sendo homens. Governando suas cidades de pedra. Navegando seus rios de sangue, deixando em si e no outro a marca indelével de sua insanidade, imprimindo na história e seus holocaustos a intensidade de sua fúria.

Hoje, de novo apagam memórias, subtraem números, mudam estatísticas. Não, não houve aquela guerra. Não, não houve ditadura. Não, o nazismo não foi a pior coisa que já aconteceu à Humanidade. E assim, de passo em passo, de mentira em mentira, tudo o que era terrível vai se tornando aceitável. O mundo em que vivemos hoje é aquele onde não precisa se envergonhar de defender uma filosofia genocida, eugenista, que mata, que fere. Onde não é estranho não se sensibilizar com milhares de judeus agonizando em câmaras de gás. Não. Nada disso. Aquela moda já passou. Aquela coisa de ser bonzinho, de chorar ao assistir a Lista de Schindler, de ficar chocado ao ver documentários sobre holocaustos. Não. Essa moda passou. A nova temporada pede discursos infanticidas, retiradas de apoio à acordos climáticos, definição de gênero, compra de países, tomada de faixas de guerra, apagamento de povos e histórias. A nova temporada pede fotos em família tomando copos de leite, shows de bandas nazistas, fazer saudações sanguinárias sem nenhum constrangimento. Porque o mais importante é ser célebre, ser adorado. Se tornar um mito. O sangue dos outros, a gente varre pra debaixo do tapete. Afinal, vence quem tira a selfie primeiro. Quem tem o maior número de likes. Quem não é cancelado.

São tempos de matar ou morrer. Mas a maioria só quer matar mesmo. Se não por um burro ideal, apenas por gosto. Pois sim, estamos entediados a esse ponto.

 


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