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26/11/2021 às 14h35min - Atualizada em 26/11/2021 às 14h35min

“Correndo do enfarte”

Por Odair Camillo - Jornalista
Com passadas rápidas e às vezes sinuosas, vou caminhando pela avenida João Pinheiro, procurando desviar dos buracos e poças d´água formados pela chuva incessante que vem caindo sobre a cidade há mais de mês.
À propósito, nunca vi tanta chuva contínua nestes trinta e tantos anos vividos nesta Poços de Caldas. Embora ela tenha caído copiosamente toda a noite, ela parece ter dado uma trégua nesta manhã, incentivando-me a deixar o carro na garagem e fazer o percurso a pé.
Pela segunda vez estou tentando cronometrar os mil e poucos metros que separam minha casa do local de trabalho. Afinal, dizem que andar faz bem para a saúde, e eu posso acrescentar que também faz bem para os bolsos - pois, embora o petróleo esteja em baixa no mercado mundial, aqui nestes Brasis a gasolina está pela hora da morte.
 
Bem. O que interessa é que estou a caminho, com a euforia de um moleque que ganhou uns trocados e vai correndo ao armazém comprar um doce, e a garra de um jovem desportista em dia de competição, mas com toda a atenção na contagem do tempo.
Em poucos instantes já me encontro na Estação Rodoviária, e ainda nem o menor sinal de cansaço. Três minutos já são decorridos, observo no meu relógio, preocupado em bater o meu próprio recorde, que foi anteriormente de 15 minutos até meu destino, na rua Marechal Deodoro.
Atravesso a praça Getúlio Vargas, dou uma rápida olhadela no Relógio Floral e vou seguindo pela avenida Francisco Salles pelo passeio que vai margeando o Ribeirão da Serra. Desta vez não me atrevo a contemplar a beleza do verde que vai se descortinando à minha frente, ladeado pelas velhas quaresmeiras que embelezam o trajeto. Chego a dispensar cordialmente a carona de um amigo que passa. Alguns conhecidos chegam a estranhar a minha presença ainda jovem, na “passarela” dos possíveis salvados do enfarte. Aperto o passo e já estou sobre a ponte do antigo Mercado. Só agora observo a necessidade de um alargamento na área reservada ao pedestre. Fico a imaginar se o senhor prefeito tivesse tempo de andar a pé e que, por ali passasse, talvez o problema já tivesse sido resolvido.
Recuso mais uma vez uma carona. “Será que estou tão velho assim?”. Agora já me encontro na rua Marechal Deodoro. E dou a última arrancada. Olho novamente para o relógio. “Estou conseguindo um bom tempo”, penso comigo. Embora o velho coração já esteja arfando.
Chego, enfim, ao último quarteirão. Vejo-me sentado confortavelmente na minha poltrona giratória, antes de iniciar o meu trabalho. Dou a última arrancada e já me encontro defronte à grande porta de aço de meu estabelecimento, ponto final dessa aventura semiolímpica, restando ainda um esforço sobre-humano para levantá-la, mas contente por ter melhorado o tempo em trinta segundos.
 
Suspiro forte. Enfio a mão no bolso para apanhar a chave da porta, e tenho uma grande surpresa: “Oh, não”, exclamo, quase chorando de raiva de ter que voltar para casa. “Esqueci a bendita da chave dentro do carro!”
                    
Do livro “Crônicas em Concordata” - Março de 1985
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