01/10/2021 às 17h32min - Atualizada em 01/10/2021 às 17h32min
A Vila Inglesa de Paranapiacaba, onde nasci
Por Odair Camillo - Jornalista
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No inverno de 2009, fui convidado a participar em Paranapiacaba, do 9º Festival de Inverno naquela charmosa Vila Ferroviária Inglesa, que é um distrito de Santo André. O convite
partiu do departamento de Turismo dessa cidade que, junto com São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul e Diadema, formam a região metropolitana de São Paulo, conhecida como o “Grande ABCD”.
Era o mês de julho, férias escolares e de muito frio naquela região da mata atlântica, onde a vila está localizada.
Para mim, a viagem teria mais de um objetivo, além de cobrir o festival e participar de suas atrações, o de rever a cidade onde eu e meus pais havíamos nascido, se é que posso
chamá-la de cidade, uma vila fundada pelos ingleses da SPR-São Paulo Railway, no final do século 19, e hoje comprada e restaurada pela Prefeitura de Santo André.
A viagem começou na Estação da Luz, de onde partiam os trens da CPTM em direção a Rio Grande da Serra, cujo trajeto era percorrido em aproximadamente uma hora. Na época, tinha sido inaugurado o expresso turístico, um trem puxado por uma locomotiva a diesel, com dois vagões de aço que cortavam a mata atlântica, rumo a Serra do Mar. O passeio de ida e volta
custava R$ 45 para uma pessoa e R$ 75 para duas. O expresso partia da estação todos os domingos, pontualmente às 8h30.
De Rio Grande da Serra a Paranapiacaba, a viagem demorou apenas 15 minutos de ônibus, que deixou-me na parte alta da vila, num grande pátio de estacionamento, de onde se tem uma vista – quando não há neblina – de todo o pátio ferroviário e das construções, na sua maioria, feitas de madeira pinho de riga. Desse lugar, pode-se avistar, em dias ensolarados, a enseada de Santos, distante vários quilômetros dali.
Ao deixar o local, arrastei a pequena mala pela íngreme e estreita ladeira, passei pela praça da Igreja Bom Jesus de Paranapiacaba, chegando, por fim, à velha passarela que liga a cidade alta à baixa, sobre os trilhos da estrada de ferro.
A velha estação, em estilo vitoriano, conserva somente a torre e o relógio
O tempo estava bom, mas uma chuvinha fina era esperada para o final da tarde. Por um instante, tive a impressão – como outrora – de ter ouvido o apito da pequena “loco-breque”
(locomotiva-freio) se preparando para levar os vagões para o sistema funicular, na descida da serra até seu ponto final, em Piaçaguera e de lá, puxados pelas locomotivas a diesel até a
estação de Valongo, em Santos.
Ainda da velha ponte, captei com minha nikon algumas imagens do que restou do conjunto arquitetônico em estilo vitoriano, da velha estação, uma réplica da suntuosa Estação da Luz. Sua torre, encimada por um grande relógio tipo Big Ben, até hoje mantém a sua pontualidade britânica.
Ao final da passarela, cheguei a um grande pavilhão, com vários bares e restaurantes. Subi a rua direita onde está o famoso Bar da Zilda, que tem, além de uma gostosa comida, a famosa “pinga com Cambuci”, como também uma espécie de lojinha de conveniência, onde há um pouquinho de tudo.
No caminho, memórias de minha infância
Em cada passo, uma recordação. Numa casa de madeira, impecavelmente restaurada, funciona o Centro de Documentação em Arquitetura e Urbanismo. Mais adiante, deparei-me com outra casa, transformada em loja de artesanato. Em conversa com a proprietária, fiquei sabendo que naquele local funcionou por muitos anos um bar e pensão que pertenceu aos meus saudosos tios Marques e Olívia.
Agora teria que achar a pousada que reservei e onde pretendia passar esse final de semana. Não havia táxi nem qualquer outro tipo de condução. Nesses dias de Festival, era proibida a circulação de veículos na cidade baixa. Havia tendas armadas por toda parte. Os palcos onde se apresentariam os artistas ficavam em pontos estratégicos. Grandes nomes da música popular brasileira iriam se apresentar durante o Festival. Lô Borges e Toquinho seriam as atrações desse sábado.
Logo após ter deixado a mala na pousada, iniciei minha caminhada para redescobrir “minha Vila”. Bem próximo dali, numa pequena colina, ergue-se o Castelinho, a principal construção com dois pavimentos outrora habitada pelo engenheiro-chefe e sua família, de onde controlava toda a movimentação das obras de construção da ferrovia.
Este castelo já foi utilizado como palco e cenário de filmes cinematográficos e séries de televisão. Hoje, transformado em museu, foi restaurado em 2005 pela Prefeitura de Santo André em parceria com a American Express e a World Monuments Fund.
Caminhando pela Vila em tarde chuvosa
Precavido e sabedor das mudanças bruscas de tempo em Paranapiacaba, trouxe na
mala um guarda-chuva, o que me animou a enfrentar a chuvinha fria da Serra do Mar e continuar com minhas “descobertas”.
Depois de retirar meu crachá de jornalista no setor de Turismo e Cultura, fui visitar o Clube União Lyra-Serrano. Da última vez que lá estive, o prédio estava decadente. Também pudera! Meus pais ali se conheceram e ali participaram de muitos bailes, sessões cinematográficas e teatrais. Mas agora ele estava bonito, imponente, totalmente restaurado, e em pleno funcionamento. Numa das publicações sobre a charmosa Vila Inglesa, fiquei sabendo que ali funcionou o segundo cinema do Brasil.
Em seguida, já que estava bem próximo, fui conhecer o campo do Serrano Atlético Clube, construído em 1903 e que foi o primeiro de toda a região do ABCD, formado por ferroviários da São Paulo Railway. Hoje ele é conhecido como Campo de Futebol Charles Miller, um dos mais antigos do Brasil, onde acredita-se ter sido realizada a primeira partida de futebol com a participação de Charles Miller, ex-ferroviário e o pai do futebol brasileiro.
Depois de visitar o Museu Tecnológico e Ferroviário, retornei ao Clube União, pois estava na hora de entrevistar Lô Borges, o cantor/compositor mineiro, um dos ícones do movimento Clube da Esquina. Mais tarde, por volta das 18h, a entrevista seria com Toquinho, um dos maiores compositores e intérpretes da música brasileira, culminando com o seu espetacular show nas dependências do Lyra Serrano.
É chegada a hora de partir
No caminho de volta, atravessei a passarela, aproveitando para fixar mais algumas imagens à minha câmera. O tempo estava bom. Arrastei a mala pela ladeira William Speers e cheguei à Igreja do Bom Jesus. Não havia ninguém porque a missa dominical havia terminado.
A pequena capela estava linda. Sentei-me num dos bancos para um breve descanso e meditação. Do lado de fora estava o cemitério onde foram enterrados meus avós. Tive a impressão de ter ouvido mais uma vez o apito lamurioso da velha locomotiva a vapor. No grande pátio, estava o ônibus que me levaria de volta a Rio Grande da Serra. Ele estava prestes a partir. Antes de entrar, lancei o último olhar para a Vila que ficou lá em baixo. E prometi voltar mais uma vez, para rever as imagens saudosas da minha querida Paranapiacaba.