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24/06/2021 às 14h51min - Atualizada em 24/06/2021 às 14h51min

"Uma passagem, urgente, para Poços de Caldas"

Por Odair Camillo - Jornalista
Estátua esculpida pelo italiano Giulio Starace, atração da Fonte do Amores, em Poços de Caldas
,
Debruçado sobre o parapeito da velha janela, corroída mais pela poluição que propriamente pela idade, ele observa ao longe, um pontinho verde formado pela copa de algumas árvores que se destaca em meio à selva de pedras de Nova York.
Ele pensa em ir até lá, caminhar solitário e despreocupadamente pelas ruas e avenidas do trajeto, olhar as lojas com suas vitrinas, e passar o resto da tarde sentado num dos bancos do Central Park.
Mas ele está cansado. Cansado e triste. E é neste momento de ociosidade nos fins de semana que vem a saudade. A saudade que toca-lhe o coração, tentando arrancar-lhe o que ainda resta de toda a sua potencialidade, física e espiritual.
Ele é um dos milhares de brasileiros, clandestinos na terra de Tio Sam, buscando trabalho e esperança de dias melhores, fugitivo inocente de um regime totalitário, de uma frustrada “Nova República” que colocaram seu país - um dos mais ricos e promissores do mundo - num caos econômico e financeiro.
Absorto nessas meditações, caminha de um lado para outro no quarto, sem saber realmente o que fazer neste tedioso e cinzento sábado nova-iorquino.
Hesita em sair, acabando finalmente por desistir. Apanha de sua mochila um pequeno álbum de fotografias, senta-se na cama ainda desarrumada da noite anterior e começa a folheá-lo.
A imagem de parentes e amigos fazem-no chorar. Homem também chora. Aproveita a ausência dos companheiros de quarto e deixa que suas lágrimas corram livremente sobre sua face.
Postais de Poços de Caldas são manuseados lentamente. Em cada um, um prazer e uma saudade. A Praça Pedro Sanches, com seu monumento, lhe traz a lembrança dos dias passados com amigos.
No postal da Fonte dos Amores, uma lembrança toda especial. Fôra ali que, alguns dias antes de embarcar, estivera com a sua garota e, juntos à estátua dedicada ao amor do artista Giulio Starace, juraram amor eterno.
Mais uma vez as lágrimas afloram em seu rosto. O desespero tenta dominá-lo. Dirige-se até o aparelho de som, coloca a fita recentemente enviada por seus familiares e ouve atentamente. A saudade é demais. Seu coração parece implodir de tanta carga emocional. Deita-se novamente. Agarra-se ao travesseiro e procura, inutilmente, adormecer.
 
Por alguns instantes questiona a si mesmo se valera a pena esse sofrimento. Se aquelas centenas de dólares acumulados em quase dois anos pagariam toda a infelicidade que padecera. Chega à triste conclusão que não, e que deveria regressar a seu país.
“Poços de Caldas e meu BRASIL precisam de mim”, balbucia. “Por que razão não hei de lutar e vencer?”
Firme nestas convicções, levanta-se rapidamente, apanha o dinheiro e alguns documentos e desce célere os quase cem degraus da velha mansão da 42nd Street. Já na rua, apressa-se ainda mais.
No meio da multidão, esse poços-caldense corre em busca de sua terra que ele jamais deveria ter deixado.
Após alguns quarteirões, chega finalmente defronte a um moderno prédio envidraçado onde funciona uma agência de viagens.
A porta está fechada. Dentro, uma moça ainda trabalha. Ao vê-lo bater, acena dando a entender que o expediente está encerrado. Ele insiste. Ela resolve atendê-lo.
Sofregamente, sem mesmo atinar que ela, uma americana, possa entender sua língua e que conheça geografia, ele diz: “Pelo amor de Deus, moça, me vende uma passagem, urgente, para Poços de Caldas!”
 Setembro 1988
 
 

 

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