Eis porque o zelo do espírito é sem meiguices: (Coisices de Adélia)
Perfuram-me o ventre, oboés e cantos. E hipnotizada, segui a flauta como os ratos, como as crianças, como Adélia. Ela é mãe, avó e mulher. Entende de perfurações. Visita de cumadres aos domingos. Travessa de sobremessa coberta por um pano de prato virgem, um afago e um safanão no cocuruto. - Acorda mulher! As fêmeas presentem os desastres nas entranhas das outras e dizem em loteria: - Estás prenhe! Estás louca! Estás perigosamente feliz! E poem-se a cozinhar. Após o almoço, elas cochilam na varanda morna. Do meio de suas pernas saem o alento do mundo: A vida do filho, o êxtase do amante, a morada do marido. O mundo inteiro dorme enquanto elas criam. - Acorda Celina! Para de sonhar e vai esquentar a água do café! - grita a mais velha, chefe da infantaria. Matrona de varizes e sorrisos, acostumada a dianteira das guerras. E a humanidade inteira também acorda pra ver a criação daquela matilha. A lide das doceiras, das bordadeiras e das carpideiras, sábias em desaguar cemitérios. O café fumegando no bule, o pão saindo do forno. E entre manteigas, geleias e confabulações, decidimos o destino do mundo. Me aproximo da mais velha e pergunto num fiapo de voz de mulher-menina: - Josefa, me explique sobre perfurações? Ela bate a colher na borda da panela em estridente sabedoria. - Ih, minha filha! Isso aí é coisa complicada que nem os diabos! E me ensina os segredos do universo enquanto dá o ponto do doce: - As mulheres são perfurações divinas e antiquíssimas. E os homens? Ah, esses nada entendem de escavações sismológicas. A tarde cai e o vulcão em mim estremece. O ventre túrgido de promessas. - Sossega menina. Sossega… - me diz a bordadeira. E eu durmo. Durmo ingênua, e acordo de cabelos brancos…
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