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16/08/2024 às 16h21min - Atualizada em 16/08/2024 às 16h21min

Uma baleia ancorada na 5ª Avenida

Beatriz Aquino - Atriz e escritora
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Foto meramente ilustrativa - Reprodução Google

 
Meu bem, como já disseram, a alegria é um carro de bombeiros todo enfeitado de penas e cavalos bravos, atravessando tudo. Olho para o espelho e vejo que meu rosto também envelhece antes de mim. A mulher não espera a menina. A menina vem com seu sorriso de praça, sorvete na mão e corre para encontrar essa mulher que hoje um ou outro chamam de senhora. E as duas tropeçam uma na outra.
 
É engraçado não acompanhar com fidelidade os traços do tempo. Ou cair por entre eles como quando andávamos sobre os trilhos do trem quando éramos adolescentes. De qualquer forma, os continentes vêm se aproximando docemente e eu acredito que em algum lugar entre Boituva e Israel, encontraremos a paz.
 
Hoje não tem nada de interessante no rádio, nem na TV. Por isso parei um pouco pra ler a moça portuguesa e também te escrever. Sabe, o zelador do prédio me disse que é imprescindível regar as prímulas às cinco da manhã para que elas soltem seu perfume e brilho na hora certa. Achei tão complicado essa coisa de jardinagem. É como aterrar de sonhos pedaços de terra cinza. E pensei que a escrita faz o mesmo. Embora colhamos bem mais do que plantamos.
 
Ontem lembrei do teu jeito de abrir a garrafa de vinho. Você se atrapalha e vai girando em torno dela. Fica muito concentrado. E então é como se você orbitasse em torno daquela bebida morna e escura que te deixa tão falante. Ah é, o pingente que você me deu quebrou. Vou mandar arrumar. Não gosto de sair de casa sem você. Essa manhã ouvi no noticiário alguém falando sobre naufrágios. Parece que um grupo de baleias anda virando barcos. Achei estranho porque sei que as baleias se ocupam de coisas bem mais importantes como contornar o globo ou acenar à noite para amigos de outros planetas. Porque ainda não aprenderam a traduzir o canto delas, isso ainda não sei. Mas qualquer dia desses uma delas ancora na Quinta Avenida e ali faz um discurso. Já pensou que coisa mais off Broadway? Te digo isso porque temos precisado de felicidades. As coisas andam russas. Metade da gente está dormindo e a outra metade está com as fuças vidradas no celular. E nunca se ouviu tanto falar de mísseis e ogivas nucleares. E eu só queria escutar o zelador falando das prímulas.
 
Mas olha, benzinho, não tenha medo de nada. Ou de quase nada. Ainda há muita letra nesse mundo pra gente escrever. E isso de poesia é como brincar de construir espaçonaves de legos entre as estrelas. Coisa muito séria.
 
Acho que a essa hora você já saiu de casa. Espero que não tenha se cortado ao fazer barba. Põe uma música bonita no toca fitas que eu sei que você ainda tem. E canta junto. Bem alto. Amanhã eu te encontro. Vamos por em prática isso que chamam de fé. Afinal, como disse a moça que entende de jóqueis, essa coisa de alegria, ainda vai dar muito certo.
 
 
 

 


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