07/10/2024 às 14h51min - Atualizada em 07/10/2024 às 14h51min
Vai dar o maior trabalho abandonar a Terra
FONTE: Veriana Ribeiro da com.tato - [email protected] - FOTO: Divulgação
Aos entusiastas da colonização interplanetária, trago notícias: vai dar o maior trabalho abandonar a Terra
A começar pelo básico da logística: sequer temos tantas malas de rodinhas. Sem mencionar que os fabricantes delas (das rodinhas) deram férias coletivas aos seus, alegando aumento abusivo na conta de luz. Ah, mas é porque a luz está cara mesmo e ninguém nem a recicla. Eu mesma nunca usei a luz de ontem para ligar a de amanhã. Você já? Tem, para além disso, outras questões que fazem essa viagem dar um trabalho descomunal. Primeiro porque precisamos de uma imensa nave e para construí-la serão necessárias algumas matérias-primas que, até agora, nem inventamos. “Mas é claro que inventaremos”, dirão os entusiastas do motor de dobra e do combustível de antimatéria. E eu hei de concordar. Mas que vai dar trabalho, isso vai.
Fora a nave, tem a questão da comida. Mas antes vamos entender que quem embarcar na viagem de ida, não pousará no novo planeta, afinal não pense que será uma viagem de treze horas, não. Chegaremos ao destino após várias gerações, portanto os passageiros iniciais terão seu funeral no espaço, lamento informar (mas é algo bem legal e inovador isso de morrer no cosmos. Pensa na simbologia. Coisa linda) - portanto...calcula o tanto de comida pra levar na viagem e não vá contando com bolachinha Oreo, não. Claro que plantarão alimentos na nave e, não de todos os tipos. Serão apenas algumas espécies de tubérculos, raízes, leguminosas e cereais. E chega. É batata ou inhame. Talvez, inclusive, escolham o jiló no lugar da cenoura. Confesso que não sei muito bem dos detalhes, mas que até isso de escolher o que será cultivado, vai dar trabalho, ah vai!
Sem falar naquilo de brincar de ser Noé... Não vai achando que todos os bichos embarcarão para o planeta 2, não. Eu garanto que elefante fica. A barata também fica (mas vão encontrar duas no meio do lixo, três meses após a decolagem, que eu sei). Fora uns perrengues de ordem prática: não haverá ala para fumantes e, mesmo que houvesse, não daria para abastecer uma nave com cigarros que durassem várias gerações, portanto, será proibido fumar até o momento do desembarque... definitivamente, não pega bem fumar no meio das nebulosas e, apesar de não imaginar o que pega bem ou mal lá em cima, me pergunto se haverá leis. Seremos anarquistas? Ou é isso ou só posso cogitar aquela ditadura a la Enterprise com a diferença de terem a Monalisa pendurada no corredor principal. E não vão todos os quadros, não. Nem todas as estátuas. O próprio Davi, tenho certeza de que fica. Grande demais! E pensa no trabalho que será escolher quais artes embarcarão. Se elas chegam intactas? Sem dúvida! Só nós é que não. Imagina o tanto de mutações que sofrerão os milhões de humanos durante a viagem de uns mil anos até o planeta B. Quais serão os milhões de humanos? Aí é meio que brincar de Deus, não? Mas, em resumo, serão os que terão sobrevivido e destes os que estiverem dispostos a parar de fumar (é ficar ou largar).
É de cortar a alma considerar a debandada da nossa espécie rumo ao planeta 2 só porque ninguém cuidou direito desse aqui, mas a outra (boa) notícia é que quando a gente cair fora, tudo na Terra volta a crescer, florescer e viver. Os próximos habitantes dela até lhe darão outro nome e talvez a gente lamente, por ora, não ter essa informação (temos que lamentar por alguma coisa, convenhamos).
Era reduzir a emissão de gases, apostar em energia renovável, trabalhar a reciclagem, promover o consumo sustentável, não queimar as florestas, garantir paz, educação e não jogar papel de bala na rua que, certamente, nem pensaríamos em partir para outra casa. Pena que a falta de pensar nos custe tão caro, e por falta de pensar vai tudo pro espaço e isso de ir tudo pro espaço, insisto, vai dar o maior trabalho.
SOBRE REBECCA NAVARRO FRASSETTO - Escritora, nasceu em São Paulo, capital, e vive em Mogi das Cruzes, no interior paulista. Em 2001, lançou seu primeiro livro de poesia, de forma independente. Entre 2002 e 2008, a escritora trabalhou como co-editora dos jornais culturais Jornal da Praça e Café Literário. Em 2015, após ter sido mãe, voltou à literatura, lançando seu fanzine “O barulho do vento” e agora lança a obra de ficção fantástica juvenil "Nosso Amigo Gaivota", em que aborda temáticas importantes como a preservação do planeta, a empatia e o futuro da humanidade.