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20/08/2024 às 13h19min - Atualizada em 20/08/2024 às 13h30min

Habaneras

Lauro A. Bittencourt Borges - cronista gastronômico, viajante compulsivo e membro da Academia de Letras de São João da Boa Vista
Instagram: @lauroborges
 
O POVO - Depois de cinco dias em Havana, fui encerrar as férias no espetacular balneário de Varadero - seguramente uma das praias mais lindas do mundo.
Curioso e guloso, perguntei a uma garçonete do restaurante do hotel qual era a sobremesa cubana mais tradicional. 
- É o flan. Aqui no hotel tem, mas não é tão bom quanto o feito em casa.
Agradeci a informação e fui provar o flan das minhas hoteleiras possibilidades.
No café da manhã do dia seguinte, Rosemary, a garçonete, surpreende este roliço escriba com um mimo: um flan caseiro. 
 
Conto este causinho para ilustrar a minha admiração pelo povo cubano. Sofrido, oprimido, mas alegre e generoso.
Os cubanos adoram turistas, sabem receber bem, querem a todo momento saber nossa opinião sobre o país deles, gostam de ajudar, sentem prazer em agradar.

Falei com muitos em Havana e Varadero. Tem os que abertamente repudiam o regime político e sonham com uma nova vida no exterior; há os apoiadores do regime que dizem ter tudo -segurança, saúde e educação - para uma vida digna; tem, ainda, os ressabiados que preferem não se manifestar sobre política.
Em todos, um traço comum: a alegria. Suas aflições, receios, carências, desgostos, não são externados publicamente. Nas minhas andanças por aí vi muita coisa e todo tipo de gente. Poucas vezes vi uma efusividade tão cativante como a da plebe da ilha caribenha que, decididamente, não merece o governo que tem.
 
CHARUTOS - Não há como dissociar Cuba dos charutos. Eles são um símbolo e um orgulho nacional. Também são importantíssimos para a combalida economia da ilha.
 
Os habanos mais desejados - e portanto mais caros - são os feitos à mão. Pelas condições climáticas e características do solo, a região de Pinar del Rio, no extremo oeste cubano, produz aquele que é considerado o melhor tabaco do mundo.
 
Como quase tudo em Cuba, a indústria “charuteira” é totalmente controlada pelo governo.
Vendidos em poucos estabelecimentos oficiais, um legítimo charuto cubano de selo consagrado - Cohiba, Montecristo, Partágas, Romeo y Julieta - pode custar até R$ 100,00 a unidade.
 
Pelo status, pelo preço e pela grande procura pelos turistas, o habano é objeto de falsificação em larga escala. Nas ruas de Havana você é abordado o tempo todo com ofertas imperdíveis para comprar “o preferido do Fidel” ou “o favorito do Che”. Tudo fake.
 
Em Centro Habana, visitei a fábrica Partágas. Nas puídas e antigas instalações, centenas de tabaqueiros - ou torcedores -, ao som de música bem alta, numa quentura do cão, produzem manualmente cada um cerca de 100 charutos/dia.
O salário deste trabalhador que manufatura aproximadamente 2.200 habanos por mês equivale ao preço de venda de, acreditem!, dois charutos.
 
HOSPEDAGEM - O governo cubano autoriza a existência de alguns negócios privados. A hospedagem em domicílios é um destes serviços consentidos pela ditadura castrista.
 
Influenciado por testemunhos no TripAdvisor e consultas em blogs de viagem, optei por esse tipo de estadia e, ligeiro, escolhi a Casa Particular de Zoe y Victor.
A negociação via e-mail foi rápida e Victor, por 25 CUC (R$ 80,00), enviou um táxi para resgatar-me no aeroporto de Havana.
 
Não me arrependi da escolha da casa deste simpático casal de químicos aposentados, que fica no térreo de um prédio de 13 andares no bairro Cerro.
Não me arrependi porque a diária - 33 CUC ou R$ 110,00 - é bem econômica em relação a qualquer hotel razoável da capital cubana. 
Não me arrependi porque as acomodações simples oferecem tudo o que o turista precisa: dormitório com banheiro privativo, ar-condicionado e frigobar. Tudo limpo e organizado. Nenhum luxo, mas uma excepcional relação custo-benefício.
 

O café da manhã servido - frutas da estação, omelete, café com leite, pão e manteiga - mantém o vivente bem alimentado até o meio da tarde.

 
Victor é atencioso para indicar e contraindicar aos hóspedes. Orienta sobre o câmbio, abre mapas para mostrar passeios interessantes, recomenda restaurantes, dá dicas de negociação com taxistas. Alerta para que não caiamos em ciladas - uma muito comum é a oferta de charutos falsificados nas ruas. 
 
Até a internet, que é uma lástima em Cuba, é menos pior no lar de Zoe e Victor. A casa deles fica defronte ao Estádio LatinoAmericano de Beisebol, um dos poucos pontos de Havana que tem wi-fi público. Público, mas pago. Para navegar há que se comprar por 2 CUC uma tarjeta que dá direito a uma hora de conexão.
 
Enfim, a experiência cubana fica ainda mais rica e menos impessoal com essa hospedagem no seio de uma família nativa.
 
CARNICERIA - Os estabelecimentos comerciais para locais na ilha são esteticamente defasados em décadas. Zero de apelo visual e manutenção.
Prateleiras vazias e nenhuma variedade de rótulos deixam as lojas com um triste aspecto monocromático.
 
Entrei numa padaria e vi a escassez: não se vendia nada ali além de dois tipos de pães. Um esbranquiçado tipo hambúrguer e outro que é uma bisnaguinha. Murchos e sinistros!
Vi outras tantas padarias em que a oferta cai 50%: só há UM tipo de pão.
 
Estupefação maior veio na visão obscena dos açougues. Carnes sem refrigeração expostas quase na rua sob um calor de 35 graus. O asseio para manusear a carne inexiste na mesa de corte, nas paredes e nas roupas dos açougueiros. O mau cheiro me dá uma certeza: Cuba é um bom lugar para se converter ao vegetarianismo.

 
(Continua na próxima terça, 27 de agosto)
 


 
 

 
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