12/04/2023 às 15h47min - Atualizada em 12/04/2023 às 15h47min
Pra não dizer que não falei de amor
Por Odair Camillo - Jornalista
Foto: Brand-News
Aparentemente, não há razão para estar tão tenso nesta manhã de abril, embora ainda restem duas horas para que ela chegue. Mas confesso que estou.
Ainda ontem, quando juntos confidenciamos o grande amor que sentimos um pelo outro, ficou combinado que ela viria até São Paulo para encontrar-se comigo e que eu a esperaria na Estação Rodoviária. De fato, sinto-me tal e qual um chefe de família exemplar e fiel, prestes a praticar o seu primeiro adultério.
Estou em Santo André e tenho que ir até São Paulo para esperá-la. O trem suburbano chega lotado de passageiros. Com dificuldade encontro um espaço para sentar-me e encaixo-me nos trinta centímetros disponíveis. À minha direita está um nordestino. À esquerda, um senhor idoso nem percebe a minha presença, entusiasmado que está a folhear uma revista Playboy.
Não deixo por menos. Meus olhos passam a deliciar-se, disfarçadamente, nas belas figuras coloridas que ilustram suas páginas. E novamente, lembro-me dela, que a esta altura deve estar também a caminho, possivelmente ansiosa por rever-me e, juntos curtirmos este fim de semana.
Desço na Estação da Luz, e durante o trajeto até a Rodoviária, a todo momento consulto o relógio para verificar se não estou atrasado. De modo algum quero fazê-la esperar. Pelos meus cálculos, o ônibus deve chegar às 14h30, e ainda faltam vinte minutos. Por fim, chego à estação rodoviária. O movimento é intenso e está difícil identificar os ônibus que procedem de Campinas. A maioria traz unicamente o letreiro com o destino São Paulo.
Começo a preocupar-me. À cada chegada, corro a perguntar de onde vem e que horas saiu. Nisso, percebo um ônibus que vem de Poços de Caldas. Procuro ocultar-me atrás de uma coluna para não ser reconhecido e de não ter que dar explicações. Afinal, a única coisa que me interessa naquele momento é esperar por ela, que já deve estar chegando.
A cada cinco minutos eles vão estacionando, e nem sombra dela. Percebo que outra pessoa a meu lado também está sofrendo igualmente o problema da espera. Ele toma a iniciativa do diálogo: “Como é chato esperar alguém!” “Sem dúvida!”, respondo, sem dar-lhe muita atenção. E o tempo vai passando, os ônibus chegando e minha ansiedade aumentando.
“Será que ela ficou com medo de vir?” penso comigo. “Ou será que ela não encontrou passagem?”
A meu lado o homem começa a falar novamente. Minha preocupação faz com que nem preste atenção no que ele diz. Meus olhos estão voltados para as pessoas que começam a descer agora. E lá está ela.
Um grande alívio toma conta de mim. Ao ver-me, ela corre ao meu encontro. Com a voz trêmula pela emoção, despeço-me rapidamente do companheiro de espera: “Até breve, amigo! Minha esposa chegou!”
Abril 1981