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17/02/2023 às 15h25min - Atualizada em 17/02/2023 às 15h25min

Dormi de touca no Carnaval

Por Odair Camillo - Jornalista
Figura meramente ilustrativa - Reprodução Google
C  
Acordou assustado com o barulho do caminhão de lixo, esfregou os olhos, olhou para o relógio sobre o criado-mudo, deu uma rápida espreguiçada e pulou da cama.
No mesmo instante, sentiu um mal-estar, ouvidos zumbindo, uma leve dor-de-cabeça, consequência inevitável de uma noite mal dormida.
Depois de algum esforço, ainda sonolento percebeu que somente as vias urinárias haviam resolvido funcionar. Também pudera! Devia ter bebido muita cerveja na noite anterior. Sob o chuveiro, a ducha deixou-o mais animado. Chegou até a ensaiar alguns versinhos da música “Mamãe eu quero mamar”.
 
Enxugou-se rapidamente, escolheu uma roupa no armário, vestiu-se mirando-se no espelho. Passou a mão pelo rosto, sentiu que a barba, ainda rala, poderia esperar para mais tarde, penteou o cabelo e, com certo prazer, verificou que ainda não pertencia ao “Bloco dos Carecas”.
 
Sentou-se à mesa, abriu o pãozinho quente e passou a manteiga que logo se derreteu. Sofregamente, o café e seus acessórios foram rapidamente deglutidos. Afinal, aquela manhã ele estava muito atrasado. Embora fosse patrão, estava acostumado a abrir sua loja um pouco antes das oito horas, porque seus concorrentes também assim procediam.
Olhou para o relógio da copa e os ponteiros já se uniam em torno das oito horas. Estava realmente atrasado.
 
Nem bem aqueceu o motor de seu automóvel, saiu em disparada. No caminho, lembrou-se dos carnavais passados. Os três últimos os havia passado na praia, tranquilo, desligado dos afazeres cotidianos. Este, havia decidido passá-lo aqui, mesmo sabendo que não seria o ideal. Lembrou-se da noite anterior, quando ficou até quase quatro horas em companhia da esposa e amigos, bebericando, dançando e pulando. Essa era a razão, certamente, daquele mal-estar e da dorzinha de cabeça que o estava atribulando naquele momento. Realmente, aquela segunda-feira de Carnaval pressentia ser péssima...
 
Ao chegar ao centro da cidade, notou que a maioria do comércio estava com suas portas fechadas.  “Não é possível?”, pensou. “Da última vez que passei o Carnaval em Poços, o comércio abria na segunda-feira, trabalhava-se na terça até o meio-dia, e só reabria na quarta-feira depois do almoço”, concluiu.
Continuou dirigindo e verificou que as lojas de seus amigos concorrentes também estavam fechadas.
 
“Droga” - balbuciou com certa ira.  Estacionou o carro defronte sua loja, reclinou o assento transformando-o quase numa cama e, quando preparava-se para tirar uma soneca, percebeu que o jornal do dia anterior, jogado no banco de trás, anunciava quase em manchete que, tanto a Associação Comercial como o Sindicato do Comércio haviam deliberado que naquela segunda-feira de Carnaval, o comércio estava proibido de funcionar.
 
Voltou o encosto do banco na posição normal, murmurou um palavrão, ligou o carro e arrancou em seguida.
Já em casa, só acordou às duas da tarde, quando o chamavam para almoçar...
                                                           
Fevereiro, 1991

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