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10/01/2023 às 15h45min - Atualizada em 10/01/2023 às 15h45min

O paulista que quis comprar um trem

Por Odair Camillo - Jornalista
C 
- Puxa vida! Até parece que sou mineiro, uai!  Só o fato de levantar-me às 5h da manhã, enfrentar uma estrada e o trânsito da cidade de São Paulo para comprar um trem - sim, é isso mesmo que você acabou de ler - comprar um trem, é coisa de doido ou de mineiro mesmo.
 
Muita gozação já se fez em torno do mineiro quando este, com toda a sua simplicidade e pureza, caiu na besteira de conhecer a Pauliceia Desvairada e apaixonar-se pelo bonde, entusiasmando-se tanto a ponto de querer comprá-lo, e depois levá-lo para a sua boa terrinha.
E já naquela belle époque não foi difícil encontrar um vendedor, um paulistano bem malandro que, aproveitando-se da inocência do matuto, realizou o negócio. Pobre mineiro! Está até hoje a esperar pelo seu tão sonhado bonde...
 
Agora sou eu, um paulista com curso superior a caminho da Estação Júlio Prestes para comprar em leilão uma Maria Fumaça e uma vagão de passageiros.
 
Dirigindo meu Passat 1975 pela Marginal, os projetos vão inexoravelmente passando por minha cabeça atribulada. Começo a vislumbrar bem na entrada principal da minha cidade, no antigo jardim da FEPASA, entre as flores, rosas e folhagens, uma velha locomotiva e um vagão de passageiros, despertando a curiosidade dos jovens e avivando a lembrança dos mais idosos.
 
Mais adiante, ainda em meio ao jardim, grupos de meninos fardados, reunidos em várias salas sendo instruídos naquilo que lhes fosse essencial para se tornarem cidadãos probos. Em outro setor, dezenas deles sendo alimentados antes de iniciarem o seu trabalho profissionalizante.
 
Mais alguns minutos e já me encontro à rua General Osório, bem próximo ao DOPS e à Estação da antiga Sorocabana, o meu destino.
Olho para o seu imenso relógio postado na imponente torre, e verifico que ainda faltam alguns minutos, mas não o bastante para rever os amigos Ivan, Nagib, ou mesmo o presidente da FEPASA, Chafik Jacob.
 
Grande número de pessoas acerca-se de um painel onde estão expostas as fotografias dos vagões.
Inicia-se o leilão. O painel aponta que o primeiro lote já sai com um lance mínimo de Cr$ 600.000,00, alcançando no final, quase Cr$ 900.000,00.
Meus sonhos se desvanecem naquele instante como uma nuvem branca dissipando-se pela força do vento. Outros lotes vão sendo arrematados, todos acima das possibilidades da entidade que represento.
 
À saída, encontro com Nagib. Até parece que ele está mais interessado nos problemas da Guarda Mirim do que algumas autoridades de minha cidade. Convida-me para almoçar. Hesito, mas acabo aceitando. Afinal, bem poucas pessoas têm o privilégio de ser amigo de um Diretor Administrativo da maior rede ferroviária da América do Sul.
 
Agora estou retornando a Poços de Caldas. Embora trazendo comigo algumas incertezas sobre a missão não inteiramente cumprida, ainda confio na boa vontade dos homens, de homens com H maiúsculo, que se solidarizam com os problemas dos mais carentes.
 
No crepúsculo da noite que se aproxima, pela ampla e deserta Rodovia dos Bandeirantes, o velho Passat vai vencendo as distâncias e eu, me perdendo em minhas meditações...
 
Afinal, por que não sou mineiro e contento-me apenas com um bondinho?
                                                               
Novembro 1981

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