18/04/2022 às 15h08min - Atualizada em 18/04/2022 às 15h08min
O tempo não sabe brincar
Jornalista, publicitário, escritor e professor universitário
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Figura meramente ilustrativa – Reprodução Google c
Se pudesse brincaria de estátua com o tempo e congelaria alguns momentos para que permanecessem eternos.
O sono interminável na cama simples de lençóis brancos da casa bordada de azulejos, de alpendres amigos, de janelas de madeira azuis e trincos abertos e, o silêncio da noite interrompido apenas pelos grilos falantes e a melodia dos pingos de chuva nas telhas de barro.
O primeiro olhar no grupo escolar para a menina de saia azul rodada, de olhos pretos, de “Maria Chiquinha” nos cabelos loiros, minha primeira e insubstituível esperança de um virar dois.
O futebol nos campinhos de terra com a bola de capotão e nas tardes de chuva, as roupas, canelas, braços, pernas, faces, olhos e cabelos, limpos pela lama da infância.
As conversas inconsequentes nas calçadas - quando a cidade ainda era um bairro só - sem a pauta da TV, da amizade sentada em cadeiras de pau e como testemunhas, a praça da matriz, o pipoqueiro e as ruas largas de pedras irmãs.
O grito do carteiro comunicando a chegada daquela carta - quando o tempo ainda demorava a chegar - com o envelope cheirando goma arábica e a letra manuscrita de quem escrevia seu nome na minha história.
O abraço imenso e apertado de minha mãe quando na adolescência parti em busca dos meus sonhos. E o retorno tão aguardado das férias, do ônibus parando na esquina e aquele sorriso que nunca partiu a me acolher novamente.
Os almoços intermináveis de família - quando a comida ainda não era o prato principal -temperados com muita prosa e o sabor dos risos das pessoas que se sabiam eternamente próximas.
Se pudesse brincaria de estátua com o tempo.
Mas ele, o tempo, se mexe a todo o instante.
Pena. O tempo não sabe brincar.
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