Brand-News Publicidade 1200x90
Brand-News Publicidade 728x90

Memórias do cárcere

Lauro A. Bittencourt Borges - Cronista gastronômico, viajante compulsivo e membro da Academia de Letras de São João da Boa Vista
27/05/2025 16h32 - Atualizado há 2 dias
Memórias do cárcere
Foto de 2024, na mesma Istambul da crônica de 2011

 

Istambul, segunda-feira, primeira manhã de viagem.

Perto do hotel fica o inacreditável Grand Bazaar, no coração histórico da metrópole turca. É pra lá, caminhando, que nós vamos.

Os tapetes, voadores ou não, fascinam desde sempre os que botam os pés no Oriente. Nas mulheres, eternas sedentas por upgrades nos ornamentos domésticos, esse fascínio aumenta consideravelmente na Turquia, dada a magnífica oferta de capachos de todas as formas, tamanhos, preços e estampas.

E foi essa fraqueza feminina que atrasou nossa chegada ao Grand Bazaar. Explico.

Nos arredores do nosso destino, a senhora Borges insinua-se a um vendedor na rua, demonstrando inequívocos desejos tapeteiros. Era a senha pra sermos conduzidos ao terceiro andar de um prédio abarrotado de alcatifas - existem poucos sinônimos para tapete, por isso me desculpo pelo horrendo “alcatifa”. Evitarei usá-lo novamente nesta crônica.

O local, um tanto mal ventilado e sinistro, abrigava um exército de mercadores de alfombras - outro sinônimo igualmente pavoroso. Imagino que, exceto os quatro caipiras brasucas, não havia mais nenhum cliente naquela Galeria Pajé da Tabacow.

Essa escassez de compradores causou um vigoroso assédio mercantil aos únicos incautos, ali praticamente encarcerados.

A coisa foi de desnortear. Uns quinze homens misturando turco, espanhol, inglês, Ronaldo e Pelé, enaltecendo, através de muitos decibéis, as supostas qualidades dos tapetes que eram desenrolados aos borbotões. E dá-lhe bandejas e bandejas de tchai, a onipresente bebida turca. No auge da tensão, cheguei a pensar que, nas xícaras servidas, haveria alguma erva causadora de efeitos perdulários a quem a ingerisse.

O escancarado espanto nosso pelos cifrõe$ cobrados pelos tapetes parecia enervar aquele batalhão de negociantes, ávidos por ferir de morte o meu cartão de crédito.

Num inglês melhor que o meu - qual inglês seria pior que o meu? -, o jovem destemido Lauro Filho assume a transação e começa a falar mais grosso com a agressiva tropa de vendas.

Já antevendo um possível fracasso no ataque aos nossos bolsos, a turba fica ainda mais ensandecida com a brava resistência dos macaúbicos em plagas estrangeiras.

Aproveitando um cochilo dos sentinelas e o fogo no jovem very good english, sorrateiramente este escriba alcança a rua, escorregando desesperadamente suas muitas arrobas pelas escadas do edifício.

Quando percebem que os três remanescentes acuados carecem do que lhes interessa - $$$$$$ -, a libertação deles foi questão de segundos. Os inimigos cessaram a artilharia quando o comandante, braço direito erguido, decretou: “No money!”

Aquele cárcere no alvorecer das férias teve três consequências: uma pedagógica, uma econômica e outra linguística.

A senhora Borges, passado o susto, ignorou solenemente qualquer tapete ou congênere nos vinte dias da nossa estada na Turquia e, por isso, minhas descontroladas finanças foram agraciadas com uma poupança de centenas de euros.

A consequência linguística? Meu inglês subiu de nível: de péssimo para ruim.

 

 

*O Brand-News não se responsabiliza por artigos assinados por nossos colaboradores

 

 


FONTE: Instagram: @lauroborges
Notícias Relacionadas »