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Sobre trilhos, patetices e civilidade

Lauro A. Bittencourt Borges - cronista gastronômico, viajante compulsivo e membro da Academia de Letras de São João da Boa Vista
08/04/2025 16h11 - Atualizado há 1 semana
Sobre trilhos, patetices e civilidade
Lauro e Josi na Grand Central Station, em Nova York

 

Grand Central Station, primeiro dia. O provinciano compra o tíquete para East Norwalk, pergunta dez vezes ao bilheteiro qual é o número da plataforma [track] de saída e, prudente, se dirige a ela com 15 minutos de antecedência. Track 26, ou coisa parecida.

Segundo dia. Quase nativo, vestindo um gorro com as iniciais NYC, andando com a ginga de um nativo do Harlem e um sentimento de “tá tudo dominado”, a passagem na mão é a segurança para perambular pela belíssima estação e só descer à plataforma no último minuto da prorrogação.

Não, seu aparvalhado! A track de saída varia diariamente, e há que se confirmar no painel o número conforme o horário de partida. Não, seu desnorteado! Presta atenção que a Quinta é um pouquinho diferente da Dona Gertrudes.

Uma desvairada correria e muito suor para chegar em tempo à plataforma correta [track 107, ou próximo disso] foram pedagógicas lambadas pro matuto deixar a sabichonice de araque e tomar as precauções necessárias para que uma pequena macaúba tenha o mínimo de percalços na Grande Maçã.

E, heroicamente embarcado, vamos para o interior do trem.

O silêncio no vagão é incômodo.
Absortos em seus problemas, alegrias, expectativas e frustrações, os passageiros não conversam entre si. Se o fazem no celular, o tom de voz soa num volume absurdamente civilizado.

Imagino que muitos tomem o trem no mesmo horário e até se conheçam, mas a cultura os trava pra jogar conversa fora e tornar a viagem mais agradável. Agradável, diga-se, do ponto de vista deste latino escriba.

Pra eles, a privacidade, a intimidade, mesmo que num veículo de transporte coletivo, são valores inegociáveis. Puxar papo seria uma tentativa de violação desses valores.

Todos usam dispositivos móveis. A leitura, a informação, o entretenimento e a socialização vêm via laptops, tablets ou smartphones [a cada quatro assentos, há tomadas para recarregar os superutilizados gadgets]. Algumas vezes, a mesma pessoa usa os três simultaneamente. Definitivamente, o papel em livros e jornais caminha pra uma quase extinção nos EUA.

O cachorro, devidamente licenciado e documentado, também pode viajar acompanhando o dono. Nenhum latido, nenhum ruído. O animal é educado pra respeitar o código de conduta.

O bicho-homem se acostuma, se adapta rapidamente ao diferente. Passados alguns dias, abasteci meu iPad com livros, jornais e revistas e, envolvido com a leitura, também comecei a achar que a privação do som ali nada tem de desconfortável. Bateu até a vontade de alugar um cão.

[nota do colunista: texto de abril de 2013; os dispositivos móveis começavam a nos dominar]

 

 

*O Brand-News não se responsabiliza por artigos assinados por nossos colaboradores


FONTE: Instagram: @lauroborges
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