27/05/2024 às 16h37min - Atualizada em 27/05/2024 às 16h37min

Horas, bolas!

Jornalista, publicitário, escritor e professor universitário
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Figura meramente ilustrativa - Reprodução Google

 
Acordo assustado e ao acender a luz do quarto, me assusto mais ainda. O relógio em cima do criado mudo me fala a hora certa: 7h30. Repita: 7h30. Estou mais atrasado que médico de plantão.
Pulo da cama e ao sair correndo para o banheiro, enrosco na sandália e bato a cabeça na parede. Fico meio zonzo, mas chego ao banheiro, tiro o pijama, faço minhas necessidades fisiológicas, 1, 2, 3 e vou direto para o chuveiro. “Apanho o sabonete, abro a torneira e de repente a gente sente...”, a água não esquenta: queimou a resistência. É hoje! Haja resistência.
Tomo um banho frio e ao sair para me enxugar, cadê a toalha? Saio pingando, vou até o armário pego uma toalha e volto ao banheiro. Vejo que peguei a toalha de rosto, mas vai essa mesmo! Escovo o dente rapidamente e voltando ao quarto, abro o armário, pego a primeira cueca que vejo (branca), a primeira calça que vejo (azul), a primeira camisa que vejo (verde) e a primeira meia que vejo (amarela).
Reflito. Todo mundo hoje vai me ver. Ouviram do Ipiranga as margens plácidas.
 
Calço o primeiro sapato que me vê, dou uma olhada no espelho e percebo que estou com cara de espanador de fundo de loja. Desarrumo os cabelos e desço as escadas. Na cozinha, tomo um copo d´agua e como uma bolacha água e sal.
Reflito. Por vezes, a vida é aguada e sem sal.
Penso em tomar um café solúvel, mas percebo que não iria dar tempo.
Reflito. Por vezes, a vida é insolúvel. 
 
Vou para a garagem, entro no carro e ao tentar dar a partida, o carro não pega.
Reflito. Sem partida, não vai ter chegada ao trabalho.
 
Seria a bateria? O virabrequinho? A homocinética? Falta de gasolina? Tento novamente. O motor enfim ronca e eu ainda com vontade de continuar dormindo. De posse do controle tento abrir o portão, mas ele não abre. Imagino o portão falando. “Tô contigo, mas não abro”.
Reflito: Por vezes, na vida, a gente perde o controle.
 
Tente outra vez, diria Raul. Aperto novamente o controle e o portão dá sinal de vida.
Já na rua, penso em qual caminho seguir pra chegar mais rápido ao trabalho. Escolho uma rota e acelero. Percebo então, que está todo mundo atrasado. Dezenas de carros escolheram a mesma rota que eu. O sinal fecha. Eu me desespero. Estou morrendo de pressa.
Reflito. Na pressa, muitos morrem depressa.
 
No trânsito, em minha frente, um caminhão mais lento que o meu talento. Penso: vou pegar um atalho. Entro em uma rua paralela pra cortar caminho e quando vejo a via está interditada em razão de uma obra da prefeitura.
Reflito. Quando pensamos em cortar caminhos, a vida corta o nosso barato.
 
O celular toca e eu não atendo. Deve ser o meu chefe, o Odair José, perguntando “cadê você, que nunca mais apareceu aqui?”. Começo a pensar em dar alguma desculpa. “O trânsito estava engarrafado e tinha um caminhão da Brahma na minha frente”. Melhor é falar a verdade.
“Desculpe chefe, coloquei o relógio para despertar, mas ele continuou dormindo”.
Reflito. Por que, quando a gente tá com pressa, o transito resolve ficar devagar?”.
 
Pra encurtar a história, finalmente, chego até a empresa.
Ao passar pela guarita, o recepcionista me cumprimenta e diz.
“Bom dia! Tudo bem com o senhor? O que foi que aconteceu? Caiu da cama hoje?”
Como assim?
Estranhando o papo, resolvo então, olhar para o relógio do celular:
7h30! Não é possível! Repita. 7h30!
Reflito. Relógio que atrasa não adianta. Relógio que adianta é um atraso.
Horas, bolas!
 
 



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