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05/09/2023 às 15h31min - Atualizada em 05/09/2023 às 15h31min

Uma passagem aérea para Poços de Caldas, please!

Por Odair Camillo - Jornalista
Foto: Reprodução Google
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Debruçado sobre o parapeito da velha janela, ele observa ao longe a selva de pedras de Nova York.
Ele pensa em ir até lá, caminhar e olhar as lojas com suas vitrines, e passar o resto da tarde sentado num dos bancos do Central Park.
Mas ele está cansado. Cansado e triste. E é neste momento de ociosidade nos fins de semana que vem a saudade. A saudade que toca-lhe o coração, tentando arrancar-lhe o que ainda resta de toda a sua potencialidade física e espiritual.
 
Ele é um dos milhares de brasileiros, clandestinos, buscando trabalho e esperança de dias melhores, fugitivo de um regime totalitário, de uma frustrada “Nova República” que colocaram seu país - um dos mais ricos e promissores do mundo - num caos econômico e financeiro.
 
Absorto nessas meditações, caminha de um lado para outro no quarto, sem saber realmente o que fazer neste tedioso e cinzento sábado nova-iorquino.
Hesita em sair. Apanha de sua mochila um pequeno álbum de fotografias, senta-se na cama e começa a folheá-lo.
A imagem de parentes e amigos fazem-no chorar. Homem também chora. Aproveita a ausência dos companheiros de quarto e deixa que suas lágrimas corram livremente sobre sua face.
O desespero tenta dominá-lo. Dirige-se até o aparelho de som, coloca a fita recentemente enviada por seus familiares e ouve atentamente. A saudade é demais. Seu coração parece implodir de tanta carga emocional. Por alguns instantes, questiona a si mesmo se valera a pena esse sofrimento. Se aquelas centenas de dólares acumulados em quase dois anos pagariam toda a infelicidade que vinha padecendo. Chega à triste conclusão que não, e que deveria regressar a seu país.
Firme nestas convicções, levanta-se rapidamente, apanha o dinheiro e alguns documentos e desce célere os quase 100 degraus da velha mansão onde mora. No meio da multidão, esse poços-caldense corre em busca de sua terra que ele jamais deveria ter deixado.

Após alguns quarteirões, chega finalmente defronte a um moderno prédio envidraçado onde funciona uma agência de viagens. A porta está fechada. Dentro, uma moça ainda trabalha. Ao vê-lo bater, acena dando a entender que o expediente está encerrado. Ele insiste. Ela resolve atendê-lo.
Sofregamente, sem mesmo atinar que ela, uma americana, possa entender sua língua e que conheça geografia, ele diz: “Pelo amor de Deus, moça, me vende uma passagem, urgente, para Poços de Caldas, please!”  
 
Crônica publicada no Jornal Brand-News - 1989

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