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07/08/2023 às 16h13min - Atualizada em 07/08/2023 às 16h13min

Macarrão à moda

Jornalista, publicitário, escritor e professor universitário
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Figura meramente ilustrativa - Reprodução Google
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Naquele tempo, cursava Jornalismo nas Faculdades Integradas Alcântara Machado (FIAM) em São Paulo, localizada no bairro Morumbi.
Morando no Cambuci, pegava ônibus na Av. Lins de Vasconcelos e ia até a Av. Paulista e, na Estação Paraíso do metrô, mais um busão, o 775-P - Jd. Peri, que cortava a Av. Rebouças, passava sob a Marginal Pinheiros e me levava até a faculdade.
 
Entre os amigos e amigas, conheci a Eliane. Baixa estatura, cabelos curtos, sem maquiagem no rosto, calças jeans, camisa branca e tênis - uma garota simples, alegre e de bom papo. 
No intervalo das aulas, no pátio, conversávamos muito e a amizade foi se consolidando, até que um dia, Eliane convidou-me para ir jantar na casa dela e conhecer sua família. Falei que iria, mas fui enrolando, enrolando, até que ela, impositivamente, marcou o dia e horário. “Sexta-feira próxima, 20 horas, te espero lá em casa. Está aqui o endereço”.
 
Na sexta-feira, saio do trabalho, vou para casa e me “enfeito” com uma calça jeans, camiseta branca, uma jaqueta preta de couro e tênis - era eu um cara simples, alegre e de bom papo...ou não.
Tomo um táxi (naquele tempo não havia aplicativo de transporte) e passo o endereço para o motorista. Ela residia no mesmo bairro da faculdade, o Morumbi. Penso comigo. “Como será a casa dela? Ela mora em um bairro chique, mas até aí... no Morumbi tem casões e casinhas. Deve ser uma casa simples, alegre e de bom astral”.
O motorista então, localiza a rua e, vagarosamente, busca o número da casa e de repente diz: “É aqui!”.
Olho para a mansão em minha frente e afirmo: “O senhor deve estar enganado. Não deve ser essa a casa”.
E ele, convicto: “É aqui mesmo. Confere aí”.
Leio o número da casa no papel que bate com o mesmo número da residência que era do tamanho do quarteirão. Não havia dúvidas. Era lá mesmo. Pago a corrida e fico ali na porta, no guard rail, refletindo.
“Meu Deus! A Eliane mora em uma mansão. E agora? Mal sei definir qual copo é para tomar o quê, não entendo nada de etiqueta e de boas maneiras à mesa. Vai ser uma gafe com garfos, guardanapos, facas e cotovelos”.
 
A partir daquele momento, comecei a ficar nervoso. Apertei a campainha da mansão e fui tentando respirar para me acalmar. Ela diz um oi e fico na vontade de dizer. “Foi aqui que pediram uma pizza?”.
Vai daí que o portão se abre e a “Cinderela” surge e eu quase desapareço. Miss Eliane estava totalmente diferente. Maquiada, produzida, perfumada.
Miss Eliane estava acompanhada pelos pais, que me cumprimentam formalmente e convidam-me para entrar. Na minha cabeça, os pensamentos se confundem. Fui pensando em um samba com cachaça e vejo-me de frente à um fondue com jazz. Não ia prestar!
Passo por um enorme jardim, com árvores enormes, com uma enorme piscina e eu ficando cada vez menor.
 
Entro na mansão de mansinho e observo a sala de estar, a de permanecer, ficar, continuar...
Ela me apresenta o irmão, que me pareceu um cara simples, alegre e de bom papo. Acho que já ouvi isso antes.
Conversa vai, conversa vem, soam as trombetas anunciando que o jantar será servido.
O nervosismo aumenta, mas tento disfarçar, afinal, eu estava acostumado com ambientes sofisticados... nos filmes que havia assistido.
Quando entro na sala de jantar e vejo a mesa posta, penso em um cartão-postal de algum restaurante em Paris, mesmo sentindo que o meu lugar era no Alto do Pari, um bairro paulistano, perto da Mooca.
Vejo vários talheres diferentes e copos diferentes na mesa, guardanapos ilustrados e uns trens de alumínio cobrindo os pratos a serem servidos. (Tempos depois fiquei sabendo que o nome dos tais “trens” é rechaud / rechôs).
 
Dois serviçais uniformizados se postam ao lado da mesa posta. Eu me sinto um b....ta, com o perdão da palavra.
Tento descontrair um pouco falando algumas “abobrinhas” que parecem não combinar com camarão. Tudo bem. Jantar que segue.
Entre os pratos, escolho o que acho mais simples: macarrão. Hoje penso que era um fettuccine, mas naquela época era somente um “macarrão cumprido e achatado”.
Olhei para o irmão dela que também escolheu o macarrão e pensei: “Relaxa. Em Roma, faça como os Romanos”. Era eu um grego ali.
 
O cara pega um instrumento para pegar o macarrão, peça que eu nunca havia visto na vida. Ele usa o equipamento com habilidade. Os macarrões vêm juntinhos, parecendo integrantes de um mesmo ballet, e pousam suavemente sobre o prato.
Era a minha vez. Pego o mesmo instrumento e repito os movimentos do irmão. Eu era um maestro regendo uma orquestra e os macarrões são soldados de um mesmo exército marchando alinhadamente para o meu prato.
Encantado com a ordem unida, resolvo usar o instrumento mais uma vez.
Porém, não dá certo. Os macarrões se espalham sobre a mesa em frente ao meu prato. Que desacato!
Mais que depressa olho para os lados e parece que ninguém percebeu.
Mais que depressa, dou um tapinha na aba do prato e escondo os macarrões.
Fico aliviado. Ninguém percebeu. Continuo comendo e pensando nos macarrões. “Cara, na hora que você for embora, irão perceber a sujeira na mesa”.
Precisava encontrar outra solução. Já sei. Abro um pouco as minhas pernas e vou movendo os macarrões. Daí, funiculi, funiculá...volare, ooo, cantare...ooooo.... os macarrões caem na cadeira entre as minhas pernas.
Volto a pensar. “Quando for embora, eles perceberão a sujeira que deixei na cadeira. Vou jogar no chão.  Não, não é a melhor solução. Vai dar na mesma...Já sei! Eureka”.
 
Enquanto conversava, fui, vagarosamente, abrindo o zíper do bolso da minha jaqueta de couro e vagarosamente colocando o macarrão no bolso.
Pensei até em batizar um novo prato. “Macarrão à moda da jaqueta”.
Pronto! Fechei o zíper do bolso com o macarrão acondicionado no bolso e o jantar seguiu. 
 
Para encurtar a conversa, terminado o jantar, chamei um taxi, agradeci pela noite e fui para casa com o pandu cheio de macarrão... e os bolsos também.

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