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06/05/2022 às 15h34min - Atualizada em 06/05/2022 às 15h34min

O dia em que minha mãe partiu

Homenagem - Dia das Mães

Por Odair Camillo - Jornalista
V
Durante muitos anos, de segunda a sexta-feira, por volta das 16h, mesmo que estivesse envolvido em meu trabalho à frente do computador, ou mesmo na rua, deixava tudo e ia até a casa de minha mãe Lucinda, na rua Marechal Deodoro. Subia os 32 degraus que separam a entrada do prédio com o seu apartamento no segundo andar, e ia tomar o café da tarde com ela.
 
Chegava próximo, cumprimentava-a em voz alta, dava-lhe um beijo. Uma tímida expressão de alegria brotava de sua face. E ela começava seu ritual para o café: pegava um guardanapo e passava firmemente dentro da xícara. Ela queria ter certeza que a mesma estava perfeitamente limpa. Mania de gente velha.
 
Em seguida, fazia o mesmo com a colherzinha para mexer o café com leite. A Daniela, sua empregada, colocava o açúcar - eram três colheradas - e ela parecia contar. Se achava amargo, pedia mais uma colher. O pão com manteiga tinha que ser pequeno. “Corta na metade”, resmungava, se via que o pedaço era grande. E assim, acabava tomando tudo. Ao final, entregava-lhe duas bolachas de água e sal com geleia de morango. Esta era a rotina diária de seu café vespertino.
 
Esse ritual seguiu normalmente por um bom tempo, quando Lucinda ainda estava bem. De lá para cá, o seu café da tarde passou a ser servido no quarto, sentada à sua poltroninha de vime, mas colocada ao lado da cama. Ela já sentia dificuldade em se locomover até a mesa da copa.
 
Numa dessas visitas diárias, descobri que ela ainda possuía uma pequena coleção de LPs de músicas espanholas, muitas das quais, em outros tempos, costumava cantar muito bem. Escolhi três delas e as gravei no meu Sansung portátil, reproduzindo-as frequentemente toda vez que a visitava. Ao final de algum tempo, não só as músicas como também as letras foram assimiladas por ela. E juntos, quase que diariamente, passamos a cantá-las.
 
Até que um dia, preparando-me para o jantar em minha casa, fui surpreendido por um telefonema de dona Valmira, cuidadora noturna de minha mãe, pedindo-me que viesse urgente, já que alguma coisa estranha estava acontecendo. Em poucos minutos estava lá, debruçado na cama a seu lado, chamando-a e tocando-a na esperança de reanimá-la. Mas já era tarde. Seu rosto, tão pálido quanto o lençol que a cobria, e seu pequenino corpo ainda quente, estendido sobre a cama, já não respondiam às minhas súplicas. Ela havia partido com seus anjos, sem ao menos me dizer adeus!

Nestes últimos anos de sua vida, certamente cansada de tanto viver, embora sem qualquer dor ou problema aparente, ela sempre dizia que “queria ir embora...”. E a hora tinha chegado. E ela se foi, mansinha, sem reclamar, como um pássaro afastando-se do ninho que construíra ao longo dos anos, em busca de uma nova árvore, mais pertinho do céu.
 
(Minha mãe Lucinda faleceu no dia 06 de março de 2018, com 102 anos de idade).

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