Fui eufórica para o cinema. Apesar deste não ser o sentimento inicial. Na verdade, resisti um pouco porque não queria sofrer com as cenas que eu imaginava conter de tortura da ditadura militar no Brasil. Esse assunto apareceu na minha adolescência ainda de forma obscura, numa ou outra música, movimento, fragmentos e histórias de exilados. Sabia que não era algo bom e, foi a arte que, aos poucos veio retratando esses anos de crueldade para nós que vivemos a adolescência nos anos 1980, num período de transição, saindo do militarismo. O assunto também respingava na economia do país, juros altíssimos, mas sempre encoberto pela impunidade e vergonha.
Outras obras abordaram o tema pelo drama pessoal anteriormente, algo necessário para que o sentido da coletividade não escondesse a dor de cada um. Um período triste da nossa história.
Voltando à sessão de cinema, estava entusiasmada por assistir a um filme brasileiro em outro país, na língua portuguesa, já que desta vez, as pessoas teriam que fazer o que, nós, sempre fizemos, acompanhar a legenda.
Como jornalista, atenta, vi e li toda a repercussão sobre o filme. Mas na sala de cinema imagens e sons tomam uma proporção ainda maior. Como mãe de cineasta, tantos outros detalhes refinam meu olhar.
Fiz questão de avaliar a plateia, nem tão grande assim, queria ver reação de brasileiros turistas, brasileiros moradores (sim, há diferença) e de americanos. Precisava ser discreta, as pessoas são desconfiadas e nem sempre gostam de interagir.
O filme começou. Pincei diversas informações nas falas, figurino, trilha sonora, contexto. Observei com pressa lembrando a forma de escrever detalhes do autor do livro em que a obra se baseia e que conheci também na adolescência com “Feliz Ano Velho” e “Blecaute”.
Estava pronta para vivenciar do lado de cá da tela todas as emoções. E elas vieram, desde nadar no mar com a mãe, Eunice, soltar o corpo na água, algo que gosto de fazer, às vezes a paz é mais importante do que a felicidade; e eu conheço bem esta sensação, até mesmo o gosto de reunir a família à mesa ou dançar com filhos na sala. Esses momentos foram fundamentais para entender a relação entre estas pessoas da mesma família e o quanto seria difícil viver longe umas das outras, sob constante ameaça, e como qualquer um de nós, o futuro era desenhado por uma casa a ser construída, um sonho a erguido.
Mas foi quando a casa onde moravam foi invadida que comecei a chorar. Invadiam a privacidade, a felicidade, tiravam algo caro demais, a liberdade, a mando de quem devia proteger os cidadãos.
Logo no início ficou claro quem era o inimigo, o Estado, ameaças que vinham do céu, helicópteros sobrevoando o nado tranquilo, militares nas ruas.
O papel firme de uma mãe, que sentia dor, medo e precisava manter os filhos a salvo destes mesmos sentimentos. Por isso, eu também chorei. Quantas vezes na vida precisamos nos manter de pé, com a certeza de que só nós mesmos podemos fazê-lo.
Cada detalhe é fundamental para contar esta história. Cada detalhe conta muito. E é uma obra que não deixa pontas soltas, tem introdução e fechamento, por isso tanto nos inspira. Tenho certeza do talento de cada um envolvido neste projeto, da direção à edição, trilha sonora, e orgulho de ser brasileira, de ter nascido e vivido no mesmo país que Fernanda Torres.
Fernanda Montenegro, que tive a sorte de entrevistar. A cada uma delas basta um olhar, em qualquer direção, para enxergarmos do lado de cá, a personagem na alma, tornando também nossa a emoção. Viva o Cinema do Brasil! O Brasil é tão maior do que aquilo que alguns acreditam ser o certo.
Direto de Nova York (EUA)
Por Rose Lino - Jornalista, escritora, profissional de Marketing com especialização em Recursos Humanos e em Administração
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