19/09/2022 às 13h29min - Atualizada em 19/09/2022 às 13h29min

A arte de trazer à memória o que não pode ser esquecido

FONTE: LS Comunicação - FOTOS: Lesabe

Um dos pioneiros do movimento que une street art land art (arte com e na natureza), Saype desenvolve, desde 2019, o projeto mundial Beyond Walls, que deve ser concluído no próximo ano, após passar por 30 cidades; a 16ª etapa teve como objetivo dar voz às vítimas da tragédia de Brumadinho
 
Concluí a 16ª etapa do meu projeto mundial Beyond Walls (Além dos muros) em Brumadinho (MG). Estou muito impressionado com o que experimentei e, ao mesmo tempo, contente. Estou profundamente comovido com a história destas famílias e muito indignado pelo fato de que, após mais de três anos após o desastre, a Justiça não tenha avançado no seu trabalho. Por outro lado, é nestes momentos que minha arte assume seu significado pleno: estar a serviço das pessoas e da sociedade.

As mãos entrelaçadas de Beyond Walls vêm apoiar as famílias que foram tão afetadas pela tragédia que tirou a vida de 272 pessoas, devido ao rompimento de uma barragem de rejeitos de mineração, em 25 de janeiro de 2019. Na cidade, todos nós tivemos a oportunidade de nos unir: homens, mulheres, crianças, idosos e jovens, em volta da pintura gigantesca para enfrentarmos, de mãos dadas no campo de futebol do Córrego do Feijão, os dramáticos acontecimentos de janeiro de 2019. Estou feliz em ver que a arte tornou possível este momento emocionante.
 
O objetivo do projeto Beyond Walls é criar, simbolicamente, a maior corrente humana do mundo, buscando sensibilizar as pessoas de que, somente de mãos dadas, conseguiremos enfrentar os desafios da humanidade e falar sobre a importância da benevolência e do viver juntos. Iniciado em 2019, ele tem como imagem emblemática o entrelaçamento de mãos e braços e vai percorrer 30 cidades nos cinco continentes por um período de cinco anos.

O projeto já passou por Genebra, Uagadugu (Burkina Faso), Yamoussoukro (Costa do Marfim), Turim, Istambul, Cidade do Cabo, entre outras.

Foi a minha primeira viagem ao Brasil e, antes de Brumadinho, realizei duas pinturas na cidade do Rio de Janeiro pela 15ª etapa. Uma pintura foi na areia da Praia de Copacabana, altura do Posto 2, na Zona Sul, que se conecta à obra que fiz na praia de Ouidah, na República de Benim, país localizado na África ocidental, e que foi a etapa 10 do projeto.

De Benim, partiram milhões de pessoas que foram levadas como escravas em porões de navios, sendo que muitas delas desembarcaram no Rio de Janeiro. Eu também fiz uma obra no campo de futebol do Instituto Heitor Carrilho, que integra a Secretaria Estadual de Administração Penitenciária, ao lado do Morro do Zinco, no Estácio, zona central do Rio.

Ao viajar pelo mundo, eu me conecto às pessoas e gosto de conhecer diferentes realidades. Tiro fotos de mãos entrelaçadas por onde passo - o que me inspira para realizar futuras pinturas. Podem ser de famosos, moradores de rua e de pessoas comuns. A ideia é que o projeto seja universal.
 
A 16ª etapa teve como objetivo dar voz às vítimas da tragédia de Brumadinho, e, em segundo lugar, destacar as várias questões que envolvem o setor da mineração. Pessoalmente, eu nunca tinha ouvido falar disso. Nem sobre este desastre, nem sobre a mineração. Foi pesquisando que eu compreendi a complexidade das questões ambientais e sociais. Pelo que sei, há em torno de cinco grandes desastres por ano, segundo a associação SystExt (Sistemas Extrativistas e Ambientais, sigla em francês). É um desastre ambiental e, muitas vezes, social.
No entanto, não se trata simplesmente de culpar, pois somos nós, consumidores, que pressionamos as empresas a extrair matérias-primas para atender nossos estilos de vida e padrões de consumo.
Nossas sociedades atuais se baseiam, em grande parte, na mineração. Acho que precisamos repensar a utilidade e o uso da mineração. Por exemplo, apenas 10% da mineração de ouro vai para a indústria e, portanto, me parece ter um uso verdadeiro. Já os outros 90% são realmente necessários?

A pintura é para nos fazer refletir sobre nossos padrões de consumo e da sociedade em geral.
Desejo que o momento emocionante vivido na cidade de Minas Gerais seja mais uma pedra na construção de um futuro iluminado junto com o Projeto Legado de Brumadinho, que desenvolve iniciativas para estabelecer uma nova mentalidade na sociedade sobre a importância das políticas de saúde e de segurança no trabalho. Ele foi idealizado pela Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão (AVABRUM). Para mim, as famílias devem agora olhar para o futuro, o que não significa esquecer o passado.

Para concluir, esta obra foi realizada para dar um caminho às vítimas da tragédia e pressionar as empresas de mineração a prestar mais atenção à segurança de seus trabalhadores, e também ao meio ambiente, para que tal catástrofe não aconteça novamente.

 
Por Saype - nome artístico de Guillaume Legros
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