04/03/2024 às 14h51min - Atualizada em 04/03/2024 às 14h51min
Um poema invisível
Tadeu Rodrigues, advogado, escritor e apresentador do podcast Rabiscos
@tadeufrodrigues
C
há alguns anos que a gente não se fala, e você nem soube que eu fui um irmão melhor, um filho mediano e um estudante quase qualificado a ser gente, nesta terra de gente que carrega o diploma com orgulho nada ferido.
sou melhor ocioso, melhor poeta, pior profeta, já não falo sobre signos e sobre energias espirituais, ou pregações e carruagens em romarias. não sei mais em quem acreditar, mas acredito, e preciso de pouco, mas preciso. minha vida se encerra com requerimentos que pedem para que paremos de nos importar com tudo, porque não há mais planos, nem lugares, nem tudo.
há um pouco de gente ainda pela rua. no bairro ainda há festas. pessoas querendo outras pessoas, que pedem dinheiro para o gole, e dinheiro para a dança. e meninos que olham as meninas, que olham os meninos, e meninos que olham os meninos; meninas que olham as meninas e sorriem com cabulo fabricando covinhas na bochechas, que a julgar pelas covas dos enterros deveriam ter outro nome.
e os andrilhos que pedem dinheiro para a passagem, só falta um pouquinho. pedem atenção, só ouça minha história. é a história mais triste do mundo, posso lhe jurar se você me deixar contar como nasci de uma mãe que morreu, e um pai que se foi, e como lutei por comida, não roubei e virei gente.
há alguns anos que a gente não se fala, mas lhe vejo todo dia.
